QUANDO FOR GRANDE, QUERO SER ARTISTA DE CIRCO
Teresa Ricou nasceu com o ADN da missão social e aplicou-o, de forma mágica, às artes. Ousou colocar a sua profissão de artista de circo ao serviço da inclusão social, “ensinando e praticando”. Há 40 anos, construiu, de forma vitoriosa, o Chapitô: uma escola criada para “alfabetizar, educar, animar e comunicar com o mundo”. Esta é a entrevista realizada pelo jornal Expresso.
Expressinho (E) – Quando nasce Teté, a mulher-palhaço? E a fundadora do Chapitô?
Teresa Ricou (T.R.) – A minha origem social acontece no seio de uma família com pai médico, dedicado à cura da lepra, com o total sentido de missão social, e uma mãe (mater) de sete filhos companheiros de vida e solidários com a causa! Eu, filha, nasci com este ADN incorporado. E, porvia das artes, fui construindo o Chapitô!
E – Conte-nos sobre a experiência de trabalhar em França.
T.R. – A França é um país onde a cultura está na rua – e a toda a hora – porque faz parte da essência desse país, entre o campo e a cidade. A França é um país de acolhimento, nas melhores e piores situações, no caso enquanto refugiada política. A formação ao longo da vida, essa é uma escola privilegiada para uma aprendizagem mais contemporânea.
E – Como foi regressar a Lisboa depois do 25 de Abril?
T.R. – A chegada a Portugal, após o 25 de Abril, o tempo da Revolução, em que tanto havia para fazer, além de espírito revolucionário, exigia a responsabilidade social! Foi pôr mãos à obra! Aproveitando a experiência do movimento cultural em França, foi da intervenção passar à ação – 50 anos passaram. A Revolução aconteceu e agora que continue…?
E – Fundou uma escola de referência. Como surge o Chapitô?
T.R. – O Chapitô surge da vontade determinada de uma mulher das artes, ligada à performance e ao humor no mundo do circo, ousando pôr esta sua profissão de artista de circo ao serviço da inclusão social, ensinando e praticando. Esta é uma forma de alfabetizar, educar, animar e comunicar com o mundo.
E – O que se pode estudar nesta escola e a quem se destina?
T.R. – No Chapitô aprendem-se as artes do circo: dos equilíbrios – arame, monociclo, rolo, manipulação de vários objetos – à acrobacia
sempre com base na performance – e ainda a dramaturgia e os ofícios: figurinos, adereços, cenografia. Tudo isto além das disciplinas socioculturais. Os alunos completam no Chapitô o 10.º, 11.º, e 12.º anos e há estágios variados com direito a diploma final. Destina-se a jovens com o 9.º ano e com menos de 20 anos.
E – Qual foi o episódio mais caricato que viveu nesta profissão?
T.R. – Tirar de dentro da casaca uma galinha – todo o público esperava outra surpresa.
E – Que superpoderes tem um artista?
T.R. – Mais do que superpoderes, é uma sensibilidade mais apurada pelo gosto de viver.
E – Vive melhor quem observa a vida com os olhos da arte?
T.R. – Sim, sem dúvida! Trabalhar as nossas capacidades artísticas é um contributo para uma vida com mais qualidade.
E – Qual é para si o limite do impossível no circo da vida?
T.R. – Ter construído o projeto Chapitô. Uma vida de 40 anos com características muito especiais – a transversatilidade de conteúdos
entre os vários pilares em que assenta: social, cultural, educação e economia social, sob o lema da inclusão que se transforma numa transinserção – nesta era tecnológica – que é manter e desenvolver o relacionamento humano – é uma vitória!
E – Fez do circo uma arte de integração ou sempre assim foi?
T.R. – O circo vive em clã, fechados na família. Era urgente integrá-los, fazerem-se reconhecer enquanto cultura na sociedade. Eu dispus me a isso, primeiro ofereci-me para trabalhar, ser aceite pelo clã e depois, a pouco e pouco, alfabetizar e incluir para serem aceites na sociedade. Missão cumprida! Hoje fala-se do circo e da profissão – os artistas de circo e os palhaços – com dignidade.
E – Qual a agenda de eventos do Chapitô para a rentrée?
T.R. – Haverá o espetáculo de abertura da escola – cheia de novos alunos para as artes do circo e dos ofícios do espetáculo – cenografia, figurinos e adereços – e a Companhia de Teatro do Chapitô terá também em cena a sua nova peça “As Criadas”. Teremos ainda o Joaquim de Almeida connosco, no dia 21 de setembro, para uma boa conversa sobre cinema. Vai ainda contar-nos como foi trabalhar com Roman Polanski neste último filme.