Escrita por João Carlos Abreu, esta “Crónica da Madeira”, publicada a 24 de setembro no Correio dos Açores, dá-nos uma visão sensível e compreensiva do projeto erguido por Teresa Ricou e uma grande equipa.
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Subi à Calçada do Castelo e enfiei-me na Rua Milagre de Santo António: cheguei finalmente ao Chapitô. Fui ali
levado pelo meu sobrinho Paulo e acompanhado pelo meu filho Sandro. Há anos que ouço falar de Teresa Ricou, pessoa criativa, pelo seu dinamismo e um forte espírito de solidariedade. Como alguém que se preocupa com os demais, com os jovens, consciente de que em cada ser humano há inúmeros talentos. Ela, com o seu Chapitô, descobre-os, fá-los acreditarem nas suas capacidades. Estimula-os a serem eles próprios, seduzidos e fascinados pelo palco. Porque “aquele tempo que não é o do relógio, aquele tempo que escolhemos para fazer as coisas mais importantes da nossa vida, da nossa existência — somos nós fazedores do Tempo e esse tempo a nós pertence — assim saibamos fazer nele e com ele, tudo aquilo que está no sonho e que, assim, convocamos para ser a realidade”.
Esta é, em parte, a filosofia de Teresa Ricou que, em 1981, fez um milagre: fundou o Chapitô.
Desde então, passaram já 42 anos e ela jamais desistiu, mesmo quando os temporais teimavam em fazê-la naufragar, num mar de tantos problemas, navegou sempre com o seu espírito extraordinário de querer dar aos outros todas as oportunidades possíveis.
Fundar e manter o Chapitô não é fácil. Inteligentemente, Teresa Ricou encontrou a solução: abriu um restaurante,
aproveitando a maravilhosa localização, no bairro de Alfama, do Chapitô, com uma vista fabulosa sobre o Tejo que tanto valoriza os olhares dos clientes. Não bastava o sonho. Era preciso granjear fundos materiais para levar avante tantos projetos da Escola Professional de Artes e Ofícios do Espetáculo — EPAOE. Muitas vezes se diz que há coisas
muito mais importantes que o dinheiro. Segundo um palhaço francês: “é verdade, mas para tê-las é necessário o dinheiro”. Com uma cozinha portuguesa, esplêndida, cujo êxito está no número de portugueses e estrangeiros que a saboreiam, todos os dias, o que tem disso uma ajuda preciosa para tornar realizáveis os sonhos de Teresa Ricou: “ou não fosse ela o escuro da noite, a madrugada que espreita o nascer do dia…”.
Sentado na esplanada, aguardando a chegada de Teresa Ricou, mergulhei no silêncio do meu eu e espreitei-me: criança em desassossego num tempo de tantas primaveras, naveguei naquele Tejo, com a minha mãe, foram tantas as vezes que o senti no arrepio das chegadas, vestidas de beleza, quando as madrugadas, ainda dependuradas numa
certa escuridão, preparavam-se para desafiar o céu azul de Lisboa. Esta força que se ganha daqui deste
lugar, olhando para o Tejo, é saudade. É de certeza saudade…
Ela desceu a escada e veio ao meu encontro. Escondi a minha emoção nas palavras e fixei os meus olhos nos seus:
há muito que desejaria conhecê-la, pessoalmente. No seu discurso percebi logo do seu dinamismo; o seu sorriso aberto, espontâneo, retratava o seu entusiasmo, a sua alegria; os seus olhos desenhavam sonhos. Foi com os projetos e os sonhos que iniciámos o nosso diálogo. Digo-lhe: é como se a idade não tivesse passado por si, tal é a riqueza da sua imaginação, criatividade e vontade de fazer coisas que enriqueçam a sociedade onde vivemos. Ela sorriu e educadamente agradeceu.
As palavras são como as cerejas, surgem umas seguidas às outras. Aos poucos fui descobrindo que só com
muito amor pelos outros, com uma inteligência acutilante e muita imaginação, se pode abraçar um projeto como
o do Chapitô, pela sua dimensão, pela sua filosofia e como tudo ali funciona bem, graças à liderança competente da
sua diretora. A determinada altura, pergunto-lhe: porque não abre um Chapitô, por exemplo na Madeira, dando a oportunidade a tantos jovens de fazerem um dos cursos circenses. – Tudo é possível, respondeu-me, desde que tenhamos os meios; desde que se encontrem os mecenas que me ajudem. O Chapitô desloca-se, às vezes, fora, com os seus alunos, a fim de fazerem animação, por exemplo, em alguns hotéis — Isso constitui sempre sucesso. Tivemos uma equipa no Hotel Pestana Porto Santo.
Ela, amavelmente leva-me a visitar as instalações da Escola: uma sala espaçosa, coberta com uma lona, como as
que usam nos circos, devidamente apetrechada para os cursos circenses. Ali estavam alguns alunos a se exercitarem.
Não lhe queria roubar mais tempo, tão precioso para as suas atividades diárias.
Convidei-a para fazer uma palestra na Madeira. Ela aceitou. Ficámos apenas de combinar as datas mais convenientes. Deixei-a feliz, no seu mundo: a vida é curta e ao contrário da maioria das pessoas que não têm tempo suficiente para dedicar aqueles que connosco percorrem os caminhos da vida, Teresa Ricou encontrou todo o tempo para se dedicar aos outros para dizer. Oh! Apressemo-nos a Amar! Apressemo-nos a ser solidários e bons, uns com os outros.